terça-feira, 5 de maio de 2020

Perseguidos por causa da Justiça




Oitava Bem-Aventurança – O CAMINHO DAS BEM-AVENTURANÇAS NOS LEVA A SER DE CRISTO E NÃO DO MUNDO.
Audiência Geral de 29/04/2020 – Biblioteca do Palácio Apostólico


Nesta Audiência Geral realizada na Biblioteca do Palácio Apostólico por causa da pandemia da Covid-19, o Papa Francisco concluiu o percurso das Bem-aventuranças.

A catequese do Papa Francisco foi dedicada à oitava bem-aventurança proclamada por Jesus: bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus (Mt 5,10).


“A alegria escatológica dos perseguidos por justiça anuncia a mesma felicidade que a primeira: o Reino dos Céus é dos perseguidos e dos pobres em espírito”.


“Pobreza em espírito, choro, mansidão, sede de santidade, misericórdia, purificação do coração e obras de paz podem levar à perseguição por causa de Cristo, mas, no final, essa perseguição é motivo de alegria e grande recompensa nos céus”, sublinhou Francisco.


Vida segundo o mundo X vida segundo Deus

Para o Pontífice, “o caminho das Bem-aventuranças é um caminho pascal que leva de uma vida segundo o mundo para a vida segundo Deus, de uma existência guiada pela carne, ou seja, pelo egoísmo, para uma existência guiada pelo Espírito”.

E o Papa acrescentou: “O mundo, com seus ídolos, seus acordos e suas prioridades, não pode aprovar esse tipo de existência. As ‘estruturas de pecado, muitas vezes produzidas pela mentalidade humana, tão estranhas ao Espírito da verdade que o mundo não pode receber, só podem rejeitar a pobreza ou a mansidão ou a pureza e declarar a vida segundo o Evangelho como um erro e um problema, como algo a ser marginalizado. O mundo pensa assim: estes são idealistas ou fanáticos”.


Se o mundo vive em função do dinheiro, qualquer um que demonstre que a vida pode ser cumprida no dom e na renúncia se torna um incômodo para o sistema ávido

A palavra ‘fastio’ é fundamental, pois o testemunho cristão, que faz bem a muitas pessoas, incomoda aqueles que têm uma mentalidade mundana. Eles vivem isso como uma repreensão. Quando a santidade aparece e a vida dos filhos de Deus emerge, nessa beleza há algo de inconveniente que exige uma tomada de posição: ser questionado e abrir-se ao bem ou recusar essa luz e endurecer o coração”.

O Papa frisou que “é curioso, chama a atenção ver como, nas perseguições dos mártires, a hostilidade aumenta a ponto de incomodar”. Basta recordar “as perseguições das ditaduras europeias do século passado: como se chega à ira contra os cristãos, contra o testemunho cristão e contra o heroísmo dos cristãos”.

“É doloroso recordar que, neste momento, existem muitos cristãos que sofrem perseguições em várias áreas do mundo, e devemos esperar e rezar para que sua tribulação seja interrompida o mais rápido possível. São muitos: os mártires de hoje são mais do que os mártires dos primeiros séculos. Expressamos nossa proximidade a esses irmãos e irmãs: somos um único corpo, e esses cristãos são os membros ensanguentados do corpo de Cristo, que é a Igreja”.

Segundo o Papa, “devemos estar atentos para não ler essa Bem-aventurança de maneira vitimista, de auto-comiseração. De fato, o desprezo dos homens nem sempre é sinônimo de perseguição: logo após Jesus diz que os cristãos são o “sal da terra” e alerta contra o perigo de “perder o sabor”, caso contrário, o sal “não serve para mais nada; serve só para ser jogado fora e ser pisado pelos homens”. Portanto, há também um desprezo que é culpa nossa quando perdemos o sabor de Cristo e do Evangelho”.


Ser fiel ao caminho das Bem-aventuranças

Francisco afirmou que “devemos ser fiéis ao caminho humilde das Bem-aventuranças, porque é o que leva a ser de Cristo e não do mundo. Vale a pena lembrar o percurso de São Paulo: quando ele pensava que era justo, era de fato perseguidor, mas quando descobriu que era perseguidor, tornou-se um homem de amor, que enfrentou de bom grado o sofrimento da perseguição que sofria”.

A exclusão e a perseguição, se Deus nos concede graça, nos fazem assemelhar a Cristo crucificado e, associando-nos à sua paixão, são a manifestação de uma nova vida. Esta vida é a mesma de Cristo, que para nós homens e para a nossa salvação foi “desprezado e rejeitado pelos homens”. Acolher seu Espírito pode nos levar a ter tanto amor no coração a ponto de oferecermos a vida ao mundo sem fazer acordos com seus enganos e aceitando a recusa.

“Os acordos com o mundo são perigosos: o cristão é sempre tentado a fazer acordos com o mundo, com o espírito do mundo”, disse o Papa, ressaltando que é preciso “rejeitar os acordos e seguir o caminho de Jesus Cristo. A vida do Reino dos Céus é a maior alegria, a verdadeira letícia”.

“Nas perseguições, há sempre a presença de Jesus que nos acompanha, a presença de Jesus que nos consola e a força do Espírito que nos ajuda a seguir em frente. Não desanimemos quando uma vida coerente do Evangelho atrai as perseguições das pessoas: o Espírito nos sustenta nesse caminho”, concluiu o Papa.




Felizes os que promovem a Paz




Sétima Bem-Aventurança – A “PAZ” DE ALGUNS CORRESPONDE À “GUERRA” DE OUTROS. ESTA NÃO É A PAZ DE CRISTO.
Audiência Geral de 15/04/2020 – Biblioteca do Palácio Apostólico

O Papa Francisco realizou a Audiência Geral sem fiéis, sem peregrinos, sem abraços e afagos nas crianças e com os telões na Praça São Pedro desligados, já que a mesma está fechada, em decorrência da pandemia da Covid-19.

A catequese do Papa Francisco foi dedicada à sétima bem-aventurança proclamada por Jesus: bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus! (Mt 5,9).


"Aqueles que aprenderam a arte da paz e a exercitam são chamados filhos de Deus, sabem que não há reconciliação sem o dom da vida, e que a paz sempre deve ser buscada”.


Duas ideias de paz

“Para entender essa bem-aventurança, é preciso explicar o significado da palavra “paz”, que pode ser mal entendido ou banalizado”, disse o Pontífice.

Segundo O Papa Francisco, “devemos nos orientar entre duas ideias de paz: a primeira é bíblica, onde aparece a bela palavra shalòm, que expressa abundância, prosperidade e bem-estar. Quando em hebraico se deseja shalòm, deseja-se uma vida bela, plena e próspera, mas também de acordo com a verdade e a justiça, que serão cumpridas no Messias, príncipe da paz”.

“Depois, há outro sentido, mais difundido, em que a palavra “paz” é entendida como uma espécie de tranquilidade interior. Essa é uma ideia moderna, psicológica e mais subjetiva”, disse o Papa, acrescentando:

“Acredita-se que a paz seja calma, harmonia, equilíbrio interior. Esse significado da palavra paz é incompleto e não pode ser absoluto, porque a inquietude na vida pode ser um momento importante de crescimento, enquanto pode acontecer que a tranquilidade interior corresponda a uma consciência domesticada e não a uma verdadeira redenção espiritual. Muitas vezes o Senhor deve ser um “sinal de contradição”, abalando as nossas falsas seguranças, para nos levar à salvação”.


A paz do Senhor é diferente da paz humana

Papa Francisco recordou que o Senhor entende sua paz como diferente da paz humana, a do mundo, quando diz: Eu deixo para vocês a paz, eu lhes dou a minha paz. A paz que eu dou para vocês não é a paz que o mundo dá”.


Como o mundo dá a paz?

“Se pensamos nos conflitos bélicos, as guerras normalmente terminam de duas maneiras: com a derrota de uma das duas partes ou com os tratados de paz. Só podemos esperar e rezar para que esse segundo caminho possa sempre ser seguido. No entanto, devemos considerar que a história é uma série infinita de tratados de paz desmentidos por guerras sucessivas ou pela metamorfose dessas mesmas guerras em outras maneiras ou em outros lugares”.

“Em nosso tempo, uma guerra “em pedaços” é travada em vários cenários e de maneiras diferentes. Devemos pelo menos suspeitar que, no contexto de uma globalização composta sobretudo de interesses econômicos ou financeiros, a “paz” de alguns corresponde à “guerra” de outros. Esta não é a paz de Cristo!”

“Como o Senhor Jesus dá a sua paz?”, perguntou Francisco. “São Paulo diz que a paz de Cristo é “fazer de dois, um” para cancelar a inimizade e se reconciliar. E o caminho para realizar essa obra de paz é o seu corpo. De fato, ele reconcilia todas as coisas e dá a paz com o sangue de sua cruz.”


Aprender a arte da paz

“Então, quem são os promotores de paz?”, perguntou ainda o Pontífice.

"A sétima bem-aventurança é a mais ativa, explicitamente operativa. A expressão verbal é análoga à usada no primeiro versículo da Bíblia para criação e indica iniciativa e laboriosidade."

“O amor, por sua natureza, é criativo e busca a reconciliação a qualquer custo. Aqueles que aprenderam a arte da paz e a exercitam são chamados filhos de Deus, sabem que não há reconciliação sem o dom da vida, e que a paz sempre deve ser buscada.”

"Esta não é uma obra autônoma fruto das próprias capacidades. É uma manifestação da graça recebida de Cristo, que nos tornou filhos de Deus."

O Papa concluiu sua catequese, dizendo que a verdadeira paz e o verdadeiro equilíbrio interior jorram da paz de Cristo “que vem de sua cruz e gera uma nova humanidade, encarnada numa infinita multidão de santos, santas, inventivos, criativos, que delinearam sempre novas maneiras de amar. Esta vida como filhos de Deus, que buscam e encontram seus irmãos pelo sangue de Cristo, é a verdadeira felicidade”.





A Pureza de Coração




Sexta Bem-Aventurança – O PURO DE CORAÇÃO VIVE NA PRESENÇA DO SENHOR
Audiência Geral de 01/04/2020 – Biblioteca do Palácio Apostólico


Pela terceira vez o Papa Francisco realizou a Audiência Geral sem fiéis, sem peregrinos, sem abraços e afagos nas crianças e com os telões na Praça São Pedro desligados, já que a mesma está fechada, em decorrência da pandemia da Covid-19.

A catequese do Papa Francisco foi dedicada à sexta bem-aventurança proclamada por Jesus: bem-aventurados os corações puros, porque verão a Deus! (Mt 5,8).


“Para ver Deus, não há necessidade de trocar de óculos ou ponto de vista, é preciso libertar o coração de seus enganos".


A pureza do coração

“Procurem minha face! É tua face que eu procuro, Senhor. Não me escondas a tua face.” Com esta passagem do Salmo 27, Papa Francisco sublinhou que esta linguagem manifesta a sede de uma relação pessoal com Deus, expressa também no Livro de Jó como sinal de uma relação sincera: “Eu te conhecia só de ouvir. Agora, porém, os meus olhos te veem”.

"Como alcançar essa intimidade?", perguntou Francisco. "Podemos pensar nos discípulos de Emaús, que têm o Senhor Jesus ao seu lado, mas seus olhos não o reconheciam. O Senhor abrirá os seus olhos no final de uma caminhada que terá o seu ápice na partilha do pão, mas tinha iniciado com uma repreensão: “Tolos e lentos de coração para acreditar em tudo o que os profetas falaram”. Esta é a origem de sua cegueira: o seu coração tolo e lento."


Libertar o coração de seus enganos

Aqui se encontra a sabedoria dessa bem-aventurança: para poder contemplar é necessário entrar em nós e abrir espaço para Deus, pois, como diz Santo Agostinho, “Deus é mais íntimo para mim do que eu mesmo”. Para ver Deus, não há necessidade de trocar de óculos ou ponto de vista, é preciso libertar o coração de seus enganos!

“Este é um amadurecimento decisivo: quando percebemos que o nosso pior inimigo está escondido em nosso coração. A batalha mais nobre é aquela contra os enganos interiores que geram os nossos pecados”, sublinhou o Papa.


Conservar no coração o que é digno da relação com Deus

Para Francisco, é importante entender o que significa ‘pureza do coração’. Para fazer isso, é preciso lembrar que, na Bíblia, o coração não consiste apenas em sentimentos, mas é o lugar mais íntimo do ser humano, o espaço interior onde a pessoa é ela mesma.

Mas o que significa coração “puro”?, perguntou o Pontífice. “O puro de coração vive na presença do Senhor, conservando em seu coração o que é digno da relação com Ele; somente assim é possível ter uma vida íntima “unificada”, linear, não tortuosa, mas simples”.


Libertação e renúncia

Segundo o Papa, “o coração purificado é o resultado de um processo que envolve libertação e renúncia. O puro de coração não nasce como tal, viveu uma simplificação interior, aprendendo a renegar o mal em si mesmo, que na Bíblia é chamado de circuncisão do coração”.

Sublinha, ainda, que “essa purificação interior implica o reconhecimento daquela parte do coração que está sob a influência do mal, a fim de aprender a arte de deixar-se sempre instruir e ser conduzido pelo Espírito Santo. Através dessa caminhada do coração, chegamos a ver Deus”.


Ouvir a sede do bem que vive em nós

“Nesta visão beatífica, há uma dimensão futura, escatológica, como em todas as bem-aventuranças: é a alegria do Reino dos Céus para onde caminhamos. Mas existe também outra dimensão: ver Deus significa entender os desígnios da Providência no que nos acontece, reconhecer sua presença nos Sacramentos, nos irmãos, sobretudo pobres e sofredores, e reconhecê-lo onde Ele se manifesta”.

“Essa bem-aventurança é um pouco o fruto das precedentes: se ouvimos a sede do bem que vive em nós e estamos conscientes de viver em misericórdia, tem início uma caminhada de libertação que dura a vida inteira e nos conduz ao céu”, disse ainda o Papa. “É um trabalho sério e acima de tudo é uma obra de Deus em nós, nas provações e purificações da vida, que leva a uma grande alegria, a uma paz verdadeira e profunda”, concluiu Francisco.




quinta-feira, 30 de abril de 2020

Perdoar e ser perdoado




Quinta Bem-Aventurança – SER MISERICORDIOSO
Audiência Geral de 18/03/2020 – Biblioteca do Palácio Apostólico


Pela segunda vez o Papa Francisco realizou a Audiência Geral sem fiéis, sem peregrinos, sem abraços e afagos nas crianças e com os telões na Praça São Pedro desligados, já que a mesma está fechada, em decorrência da pandemia do novo coronavirus, transmitida ao vivo pelo portal do Vatican News e pelas redes sociais. Francisco voltou no tempo e falou de seu primeiro Angelus como Papa.


O segredo da misericórdia: perdoar e ser perdoado

A catequese do Papa Francisco foi dedicada à quinta bem-aventurança proclamada por Jesus: bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia (Mt 5,7).


Ser “misericordiado”

Esta bem-aventurança, notou o Papa, contém uma particularidade: é a única em que a causa e a consequência da felicidade coincidem. Quem exerce misericórdia, encontrará misericórdia, será “misericordiado”.

Este tema da reciprocidade do perdão, continua o Papa, não está presente somente nesta bem-aventurança, mas é recorrente no Evangelho. “A misericórdia é o próprio coração de Deus!”


Perdoar é como escalar uma montanha

O Papa prosseguiu recordando que há duas coisas que não podem se separar: o perdão dado e o perdão recebido.

“Mas tantas pessoas estão em dificuldade, não conseguem perdoar. Muitas vezes, o mal recebido é tão grande que conseguir perdoar é como escalar uma montanha altíssima. Um esforço enorme. Isso não dá.”

Todavia, a reciprocidade da misericórdia indica que é necessário inverter a perspectiva. "Mas sozinhos não podemos. É necessária a graça de Deus e devemos pedi-la."

“Todos somos pecadores. Todos. Em relação a Deus e em relação aos irmãos. Cada um sabe que não é o pai ou a mãe que deveria ser, o esposo ou a esposa, o irmão ou a irmã que deveria ser. Todos estamos em déficit na vida e precisamos de misericórdia. Sabemos que, mesmo não cometendo o mal, sempre falta algo ao bem que deveríamos ter feito.”


Misericórdia, o centro da vida cristã

Mas é propriamente esta nossa pobreza, continuou Francisco, que se torna a força para perdoar. Cada um deve lembrar que precisa de perdão e de paciência; este é o segredo da misericórdia: perdoando se é perdoado. Por isso, Deus nos precede e nos perdoa por primeiro. Recebendo o seu perdão, nos tornamos capazes de perdoar.

A misericórdia, ressaltou o Pontífice, não é uma dimensão entre as outras, mas é o centro da vida cristã: “não existe cristianismo sem misericórdia”, afirmou Francisco, citando São João Paulo II. Se o nosso cristianismo não nos leva à misericórdia, erramos o caminho, porque a misericórdia é a única verdadeira meta de todo caminho espiritual, um dos frutos mais belos da caridade.


O primeiro Angelus como Papa

O Pontífice citou uma lembrança, do seu primeiro Angelus como Papa, cujo tema foi precisamente a misericórdia.

"Isso ficou muito impresso em mim, como uma mensagem que, como Papa, deveria dar sempre, todos os dias: a misericórdia. Lembro que naquele dia tive uma atitude 'atrevida' de fazer publicidade de um livro sobre a misericórdia que tinha acabado de ser lançado do cardeal Kasper. E aquele dia senti muito forte isso: 'É a mensagem que devo dar como Bispo de Roma. Misericórdia: misericórdia, por favor. Perdão"

“A misericórdia de Deus é a nossa libertação e a nossa felicidade”, concluiu o Papa. Nós vivemos de misericórdia e não podemos no permitir ficar sem ela. “Somos demasiados pobres para colocar condições, necessitamos perdoar, porque precisamos ser perdoados.”




Sede e fome de justiça



Quarta Bem-Aventurança – SEDE E FOME DE JUSTIÇA
Audiência Geral de 11/03/2020 – Biblioteca do Palácio Apostólico


O Papa Francisco realizou a Audiência Geral sem fiéis, sem peregrinos, sem abraços e afagos nas crianças e com os telões na Praça São Pedro desligados, já que a mesma está fechada, transmitida ao vivo pelo portal do Vatican News e pelas redes sociais.


As injustiças ferem a humanidade

A catequese do Papa Francisco foi dedicada à quarta bem-aventurança proclamada por Jesus: bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados (Mt 5,6).

Fome e sede são necessidades primárias, dizem respeito à sobrevivência. Mas fome e sede de justiça falam de outra exigência vital e não se trata de vingança.

“Certamente, as injustiças ferem a humanidade; a sociedade humana tem urgência de equidade, de verdade e de justiça social; recordam que o mal sofrido pelas mulheres e pelos homens do mundo chega até o coração do Pai. Qual pai não sofreria pela dor dos seus filhos?”

Mas a fome e a sede de justiça de que fala o Senhor, prosseguiu o Papa, é ainda mais profunda do que a legítima necessidade de justiça humana que todo homem carrega em seu coração.

No próprio “sermão da montanha”, Jesus fala de uma justiça maior do que o direito humano, dizendo: “Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus” (Mt 5,20). É a justiça que vem de Deus (1 Cor 1,30).


Em todo coração, há sede de verdade

Nas Escrituras, há uma sede ainda mais profunda do que aquela física. Como diz o Salmo 63, a nossa alma tem sede de Deus, como terra deserta, árida, sem água. Santo Agostinho expressou o que significa esse desejo, quando afirmou que o nosso coração permanece inquieto até repousar em Deus.

“Em todo coração, até mesmo na pessoa mais corrupta e distante do bem, está escondido um anseio rumo à luz, mesmo se sob os escombros de enganos e erros, há sempre a sede de verdade e de bem, que é a sede de Deus. É o Espírito Santo que suscita esta sede.”

Por isso a Igreja é enviada a anunciar a todos a Palavra de Deus, porque o Evangelho de Jesus Cristo é a maior justiça que se possa oferecer ao coração da humanidade, que é uma sua necessidade vital, mesmo que não perceba.


Abrir mão do que é secundário

Cada pessoa é chamada a redescobrir o que conta realmente, daquilo que realmente necessita, o que faz viver bem e, ao mesmo tempo, o que é secundário e aquilo que, tranquilamente, podemos abrir mão.

Nesta bem-aventurança, Jesus anuncia que há uma sede que não será desiludida, porque corresponde ao coração próprio de Deus e à semente que o Espírito Santo semeou em nossos corações. Francisco concluiu:

"Que o Senhor nos dê esta graça, de ter esta sede de justiça, que é a vontade de encontrar, de ver Deus e de fazer o bem aos outros."




quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

QUARESMA 2020



Quaresma é graça, não deixar passar este tempo em vão

Em sua mensagem para a Quaresma 2020, o Papa Francisco propõe um diálogo coração a coração, de amigo a amigo com Jesus, inspirado na Segunda Carta de São Paulo aos Coríntios: Em nome de Cristo, suplicamo-vos: reconciliai-vos com Deus (2 Cor 5, 20).

O Pontífice estende a todos os cristãos o que escreveu aos jovens na Exortação apostólica Christus vivit: fixar os braços abertos de Cristo crucificado e deixar-se salvar sempre de novo. A Páscoa de Jesus não é um acontecimento do passado: pela força do Espírito Santo é sempre atual e permite-nos contemplar e tocar com fé a carne de Cristo em tantas pessoas que sofrem.

Francisco insiste numa contemplação mais profunda do Mistério pascal, recordando que a experiência da misericórdia só é possível “face a face” com o Senhor crucificado e ressuscitado.

“Um diálogo coração a coração, de amigo a amigo. Por isso mesmo, é tão importante a oração no tempo quaresmal. Antes de ser um dever, esta expressa a necessidade de corresponder ao amor de Deus, que sempre nos precede e sustenta.”

De fato, prossegue o Papa, o cristão reza ciente da sua indignidade de ser amado. A oração poderá assumir formas diferentes, mas o que conta verdadeiramente aos olhos de Deus é que ela escave dentro de cada um de nós, chegando a romper a dureza do nosso coração, para o converter cada vez mais a Ele e à sua vontade. Quanto mais nos deixarmos envolver pela sua Palavra, tanto mais conseguiremos experimentar a sua misericórdia gratuita por nós.

O convite do Pontífice, portanto, é não deixar passar em vão este tempo de graça, na presunçosa ilusão de sermos nós o dono dos tempos e modos da nossa conversão a Ele. Esta nova oportunidade deve suscitar em nós um sentido de gratidão e sacudir-nos do torpor em que nos encontramos, às vezes estimulados por um “uso pervertido” dos meios de comunicação.

“Não obstante a presença do mal, por vezes até dramática, tanto na nossa existência como na vida da Igreja e do mundo, este período que nos é oferecido para uma mudança de rumo manifesta a vontade tenaz de Deus de não interromper o diálogo de salvação conosco.”

Colocar o Mistério pascal no centro da vida, acrescenta o Papa, significa sentir compaixão pelas chagas de Cristo crucificado presentes nas inúmeras “vítimas inocentes das guerras, das prepotências contra a vida desde a do nascituro até à do idoso, das variadas formas de violência, dos desastres ambientais, da iníqua distribuição dos bens da terra, do tráfico de seres humanos em todas as suas formas e da sede desenfreada de lucro, que é uma forma de idolatria”.

Para reverter este cenário, Francisco chama em causa a partilha na caridade e uma nova maneira de gerir a economia, mais justa e inclusiva, recordando a convocação para esta Quaresma de jovens economistas em Assis, de 26 a 28 de março. O magistério da Igreja nos lembra que a política é uma forma eminente de caridade.

O Papa então conclui:

“Invoco a intercessão de Maria Santíssima sobre a próxima Quaresma, para que acolhamos o apelo a deixar-nos reconciliar com Deus, fixemos o olhar do coração no Mistério pascal e nos convertamos a um diálogo aberto e sincero com Deus. Assim, poderemos tornar-nos aquilo que Cristo diz dos seus discípulos: sal da terra e luz do mundo.”


A seguir, na íntegra, a mensagem do Santo Padre:


“Em nome de Cristo, suplicamo-vos: reconciliai-vos com Deus» (2 Cor 5, 20)

Queridos irmãos e irmãs!

O Senhor concede-nos, também neste ano, um tempo propício para nos prepararmos para celebrar, de coração renovado, o grande Mistério da morte e ressurreição de Jesus, cerne da vida cristã pessoal e comunitária. Com a mente e o coração, devemos voltar continuamente a este Mistério. Com efeito, o mesmo não cessa de crescer em nós na medida em que nos deixarmos envolver pelo seu dinamismo espiritual e aderirmos a ele com uma resposta livre e generosa.

1. O Mistério pascal, fundamento da conversão

A alegria do cristão brota da escuta e receção da Boa Nova da morte e ressurreição de Jesus: o kerygma. Este compendia o Mistério dum amor «tão real, tão verdadeiro, tão concreto, que nos proporciona uma relação cheia de diálogo sincero e fecundo» (Francisco, Exort. ap. Christus vivit, 117). Quem crê neste anúncio rejeita a mentira de que a nossa vida teria origem em nós mesmos, quando na realidade nasce do amor de Deus Pai, da sua vontade de dar vida em abundância (cf. Jo 10, 10). Se, pelo contrário, se presta ouvidos à voz persuasora do «pai da mentira» (Jo 8, 44), corre-se o risco de precipitar no abismo do absurdo, experimentando o inferno já aqui na terra, como infelizmente dão testemunho muitos acontecimentos dramáticos da experiência humana pessoal e coletiva.

Por isso, nesta Quaresma de 2020, quero estender a todos os cristãos o mesmo que escrevi aos jovens na Exortação apostólica Christus vivit: «Fixa os braços abertos de Cristo crucificado, deixa-te salvar sempre de novo. E quando te aproximares para confessar os teus pecados, crê firmemente na sua misericórdia que te liberta de toda a culpa. Contempla o seu sangue derramado pelo grande amor que te tem e deixa-te purificar por ele. Assim, poderás renascer sempre de novo» (n. 123). A Páscoa de Jesus não é um acontecimento do passado: pela força do Espírito Santo é sempre atual e permite-nos contemplar e tocar com fé a carne de Cristo em tantas passoas que sofrem.

2. Urgência da conversão

É salutar uma contemplação mais profunda do Mistério pascal, em virtude do qual nos foi concedida a misericórdia de Deus. Com efeito, a experiência da misericórdia só é possível «face a face» com o Senhor crucificado e ressuscitado, «que me amou e a Si mesmo Se entregou por mim» (Gl 2, 20). Um diálogo coração a coração, de amigo a amigo. Por isso mesmo, é tão importante a oração no tempo quaresmal. Antes de ser um dever, esta expressa a necessidade de corresponder ao amor de Deus, que sempre nos precede e sustenta. De facto, o cristão reza ciente da sua indignidade de ser amado. A oração poderá assumir formas diferentes, mas o que conta verdadeiramente aos olhos de Deus é que ela escave dentro de nós, chegando a romper a dureza do nosso coração, para o converter cada vez mais a Ele e à sua vontade.

Por isso, neste tempo favorável, deixemo-nos conduzir como Israel ao deserto (cf. Os 2, 16), para podermos finalmente ouvir a voz do nosso Esposo, deixando-a ressoar em nós com maior profundidade e disponibilidade. Quanto mais nos deixarmos envolver pela sua Palavra, tanto mais conseguiremos experimentar a sua misericórdia gratuita por nós. Portanto não deixemos passar em vão este tempo de graça, na presunçosa ilusão de sermos nós o dono dos tempos e modos da nossa conversão a Ele.

3. A vontade apaixonada que Deus tem de dialogar com os seus filhos

O fato de o Senhor nos proporcionar uma vez mais um tempo favorável para a nossa conversão, não devemos jamais dá-lo como garantido. Esta nova oportunidade deveria suscitar em nós um sentido de gratidão e sacudir-nos do nosso torpor. Não obstante a presença do mal, por vezes até dramática, tanto na nossa existência como na vida da Igreja e do mundo, este período que nos é oferecido para uma mudança de rumo manifesta a vontade tenaz de Deus de não interromper o diálogo de salvação conosco. Em Jesus crucificado, que Deus «fez pecado por nós» (2 Cor 5, 21), esta vontade chegou ao ponto de fazer recair sobre o seu Filho todos os nossos pecados, como se houvesse – segundo o Papa Bento XVI – um «virar-se de Deus contra Si próprio» (Enc. Deus caritas est, 12). De facto, Deus ama também os seus inimigos (cf. Mt 5, 43-48).

O diálogo que Deus quer estabelecer com cada homem, por meio do Mistério pascal do seu Filho, não é como o diálogo atribuído aos habitantes de Atenas, que «não passavam o tempo noutra coisa senão a dizer ou a escutar as últimas novidades» (At 17, 21). Este tipo de conversa, ditado por uma curiosidade vazia e superficial, caracteriza a mundanidade de todos os tempos e, hoje em dia, pode insinuar-se também num uso pervertido dos meios de comunicação.

4. Uma riqueza que deve ser partilhada, e não acumulada só para si mesmo
Colocar o Mistério pascal no centro da vida significa sentir compaixão pelas chagas de Cristo crucificado presentes nas inúmeras vítimas inocentes das guerras, das prepotências contra a vida desde a do nascituro até à do idoso, das variadas formas de violência, dos desastres ambientais, da iníqua distribuição dos bens da terra, do tráfico de seres humanos em todas as suas formas e da sede desenfreada de lucro, que é uma forma de idolatria.

Também hoje é importante chamar os homens e mulheres de boa vontade à partilha dos seus bens com os mais necessitados através da esmola, como forma de participação pessoal na edificação dum mundo mais justo. A partilha, na caridade, torna o homem mais humano; com a acumulação, corre o risco de embrutecer, fechado no seu egoísmo. Podemos e devemos ir mais além, considerando as dimensões estruturais da economia. Por este motivo, na Quaresma de 2020 – mais concretamente, de 26 a 28 de março –, convoquei para Assis jovens economistas, empreendedores e transformativos, com o objetivo de contribuir para delinear uma economia mais justa e inclusiva do que a atual. Como várias vezes se referiu no magistério da Igreja, a política é uma forma eminente de caridade (cf. Pio XI, Discurso à FUCI, 18/XII/1927). E sê-lo-á igualmente ocupar-se da economia com o mesmo espírito evangélico, que é o espírito das Bem-aventuranças.

Invoco a intercessão de Maria Santíssima sobre a próxima Quaresma, para que acolhamos o apelo a deixar-nos reconciliar com Deus, fixemos o olhar do coração no Mistério pascal e nos convertamos a um diálogo aberto e sincero com Deus. Assim, poderemos tornar-nos aquilo que Cristo diz dos seus discípulos: sal da terra e luz do mundo (Mt 5, 13.14).

FRANCISCUS

Roma, em São João de Latrão, 7 de outubro de 2019,
Memória de Nossa Senhora do Rosário.

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