segunda-feira, 27 de junho de 2011

FAMÍLIA NO PLANO DE DEUS


O futuro da Igreja e da sociedade passa pela família.
(Papa João Paulo II)

O ser humano tem na família sua primeira e permanente escola para a vida comunitária, pois a família é escola por excelência, é o lugar onde se exercita e se adquire a prática da aceitação da pessoa do outro. A família é a célula da comunidade, a menor unidade comunitária, a base de qualquer comunidade. A família é realmente a escola da vida.

Família planejada por Deus e proclamada pela Igreja

A Igreja refere-se à família estruturada no casamento cristão como Igreja doméstica e escola do mais rico humanismo (Puebla, 589), que é o lar planejado por Deus, fundado numa união conjugal indissolúvel para conceber, gerar e formar pessoas e cidadãos. Essa aliança matrimonial, formada pela união conjugal do homem e da mulher, foi elevada por Jesus Cristo à dignidade de sacramento entre os batizados, que por isso é acrescentado o sinal sacramental e a graça.

Esse sinal precisa ser visível, reconhecido, fundamentado e eficaz

- Visível para que os outros vejam o amor do casal, se alegrem e se sintam estimulados a viver da mesma forma, pois dando testemunho de fidelidade e harmonia deste amor, pela educação dos filhos, pela participação ativa na renovação cultural, psicológica e social em favor do matrimônio e da família, pela vivência concretizada na escuta e no perdão, o casal torna-se exemplo e testemunho de vida, modelo de união conjugal.

- Reconhecido é o sinal que todos identificam como o casal demonstra ser e, neste particular, os filhos são os primeiros a constatar o amor dos pais, bem como a comunidade.

- Sinal fundamentado é aquele baseado na consciência que o casal tem da importância de seu papel, neste caso assumindo todas as graças e deveres do casamento. Assim, o casal amadurece seu comportamento e transmite seu amor.

- Sinal eficaz é o que cumpre o seu objetivo, ou seja, o casal sacramentado com o dom e a responsabilidade da paternidade deve criar os filhos num ambiente de amor, de diálogo, de escuta, de perdão, de doação, de fé, de família planejada por Deus.

Portanto, Deus tem um plano para a vida de cada pessoa, para a vida da família, que é a união fundada no casamento estável, pois a família é um bem privado e social, é um patrimônio da humanidade, estando a ela vinculados os valores fundamentais do ser humano e os mais sagrados direitos e deveres do cristão. Aquilo que foi planejado por Deus, quando acatado, responde às grandes ansiedades da pessoa, da família e dos relacionamentos humanos, dessa maneira, a família vai experimentar paz e felicidade.

Papel da família

A família estável tem papel insubstituível na formação das novas gerações. Ela é apoio à pessoa desde a concepção e por toda a existência. Nela, a pessoa tem a dignidade reconhecida, pois é integrada na comunidade e na sociedade. A família humaniza e socializa a pessoa e favorece a sua integração.

Cabe ressaltar, na cultura antifamília ter filhos é problema, bem como a gravidez, ao se negar que toda criança - imagem de Jesus que nasce - deve ser acolhida com carinho e bondade, por isso evita usar os termos “casal’, “esposo”, “esposa”, optando-se pelos termos “parceiros”, “companheiros”, “companheiras”.

É a melhor opção, do ponto de vista de saúde, para o Estado o qual deve apoiar a existência e a estabilidade da família. Nem o Estado ou nenhuma outra instituição humana substitui a família, ela é matriz essencial.

Novos modelos (“tipos”) de família

- monoparental (CF, art. 226, parágrafo único – comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes)
- formada por pais separados ou divorciados
- de segunda (ou terceira/quarta) união
- por uma só pessoa
- por mães ou pais solteiros
- de paternidade ignorada
- incompletas por opção

Não são iguais, como se vê. Porém, igualar os diversos “tipos” prejudica a própria família, bem como distorce a verdade sobre a família planejada por Deus; confunde as pessoas, agride a vida humana pela quebra do vínculo matrimonial, gera relacionamentos de má qualidade pessoal, na comunidade e na sociedade.

Distorce a verdade sobre o papel da família planejada por Deus, tanto para os filhos, para a Igreja, quanto para a sociedade, já que o matrimônio cristão é compromisso com os esposos, com a comunidade, com Deus, com a formação dos filhos na fé, com os cidadãos, por isso o plano de Deus é essencial para a família, para a boa qualidade de vida e para os relacionamentos.

Convém observar, muitas novelas, bem como a mídia, agridem a família, pois criam nas pessoas uma mentalidade antifamília, anticasamento; geram predisposição para o fracasso na união conjugal; enfraquecem os relacionamentos estáveis; são promotores de uma decadência social e do crescimento da insegurança e dos maus relacionamentos; geram ausência paterna, separação/divórcio, falta de escutar, de confiança, de perdão, de abertura, de diálogo.

Cabe ressaltar, “o fato de existir um modelo de família planejado por Deus não implica exclusão de famílias desestruturadas ou de pessoas vivendo distantes deste modelo. O chamado de Deus se estende a todos”, já que sua misericórdia é infinita. As famílias desestruturadas não devem ser excluídas; todos devem escutar e buscar a Deus e seu projeto.

Estrutura da família planejada por Deus

No Plano de Deus, a família é formada pela união do homem e da mulher, os quais devem ser livres, conscientes, capazes, abertos à vida e à mútua doação.

São suas finalidades: o bem dos cônjuges (para a felicidade) e a geração e educação da prole (gerar e educar novos seres humanos, os filhos).

São suas propriedades essenciais: indissolubilidade (perpetualidade, não pode haver dissolução) e unidade (fidelidade, não pode haver poligamia ou poliandria ou poliginia).

As relações advindas da família podem ser assim elencadas: relações interpessoais (da pessoa consigo mesma) e com Deus; maternidade; paternidade; filiação; fraternidade.

Enfim, a família é um lugar seguro e agradável; um lugar privilegiado de vida de comunidade cristã, não sem problemas, contudo um lugar onde se formam cidadãos para o Estado e a sociedade; é um bem para a pessoa, para o casal, para a Igreja e para a sociedade, por isso deve e precisa receber o apoio da Igreja, apoio comunitário, social e político; deve ser objeto de políticas inteligentes.

Fundamentos bíblicos e documentos do Magistério da Igreja que revelam o Plano de Deus para a família

1) Antigo Testamento: Gn 2,18; Ml 2, 13-16.

2) Novo Testamento: Mt 19, 3-9; Jo 2, 1-11; Ef 5, 21-28

3) Código de Direito Canônico (Cân. 1055)

4) Exortação Apostólica Familiaris Consortio.

5) Constituição Pastoral Gaudium et Spes

Desafios para o crescimento e o desenvolvimento da família

1) Dar o “sim” a Deus: toda pessoa é chamada por Deus e se quiser experimentar a Sua presença deve responder a este chamado com atitudes concretas de conversão.

2) Fidelidade: assumir e renovar o compromisso (doação mútua) pessoal; do casal; com Deus; com a comunidade (Igreja). A fidelidade ao cônjuge e a Deus é fundamento para o bem do casal, da família, da Igreja e da sociedade.

3) Orar diariamente.

4) Exercitar a cura e o perdão (dura a vida toda).

5) Cultivar o amor (romance) e a proximidade.

6) Ser presente, dedicar tempo ao outro e ao filho (doação mútua).

7) Dialogar com o outro, com os filhos, com toda a família.

Agindo dessa maneira, os filhos terão uma melhor preparação para o futuro casamento. A família que ainda não recebeu essa graça deve procurar fazer, preparando-se para a regularização do matrimônio, pois todo cristão é chamado a conhecer e viver o Plano de Deus e se empenhar pela sua realização, já que na grandeza desse Plano todos devem se colocar a caminho, aceitando os desafios de conversão.
Em 27/06/2011
Maria Auxiliadôra
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INSTITUTO NACIONAL DA FAMÍLIA E DA PASTORAL FAMILIAR (INAPAF) – SETOR FAMÍLIA E VIDA - COMISSÃO NACIONAL DA PASTORAL FAMILIAR (CNPF) – CURSO À DISTÂNCIA. União conjugal e Sacramento do Matrimônio. Fase 1 – Módulo 3 – Brasília: CNBB, 2008.

_______ Família no Plano de Deus. Fase 1 – Módulo 4 – Brasília: CNBB, 2003.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

"TRINITAS IN UNITATE" - A vida interna de Deus: as processões, as relações, as pessoas divinas

A obra O Deus vivo e verdadeiro - o mistério da Trindade, de autoria de Luis F. Ladaria (tradução de Paulo Gaspar de Meneses, SJ. São Paulo: Loyola, 2005), está dividida em duas partes, em 431 páginas, e tem o objetivo de reunir os conteúdos clássicos dos tratados De Deo Uno e De Deo Trino.

Faço um pequeno resumo do capítulo 9 da segunda parte do livro, o qual traz as contribuições de Stº. Agostinho e também as de Stº. Tomás de Aquino sobre a teologia da Trindade, em especial como as missões do Filho e do Espírito Santo nos levam ao ser de Deus, em conformidade com a reflexão teológica da tradição da Igreja.

DAS MISSÕES DIVINAS ÀS “PROCESSÕES”

As três Pessoas divinas são distintas, pois têm distintas missões. Conforme Stº Agostinho, Deus enviou o Filho e o Espírito Santo, mas não é enviado por que não procede de nenhum outro. O Filho é enviado pelo Pai e envia o Espírito Santo. O Espírito Santo é enviado, mas não envia. Portanto, cada um tem uma missão e suas missões dão a conhecer a unidade e as distinções em Deus. Segundo Stº Tomás, a processão do enviado a respeito do que o envia demonstra que tanto o Filho como o Espírito Santo vêm de Deus ao mundo, inclusive de modo diverso de como vêm dele as criaturas.

AS PROCESSÕES DIVINAS: A GERAÇÃO DO FILHO E A EXPIRAÇÃO DO ESPÍRITO SANTO

Para Stº Tomás, as processões divinas são diferentes da obra da criação e desta Deus não necessita, pois tem si a plenitude de vida. Em relação ao uso do termo “processão”, a teologia bíblica latina generalizou, utilizando-o tanto para referir-se a geração do Filho quanto a processão ou expiração do Espírito Santo; já a teologia oriental foi mais específica, sem generalização, diferenciando esses dois conceitos.

Tendo em vista o peso da influência ocidental, deu-se preferência a usar os dois termos, pois é a partir das missões que se tem acesso à geração do Filho e à processão do Espírito Santo, consequentemente, ao Deus uno e trino. O argumento utilizado para explicar o mistério da Trindade pela teologia foi o uso de comparações a partir do mundo criado; já Stº Agostinho preferiu a comparação da vida interna da mente humana.

1 – AS PROCESSÕES DIVINAS E A ANALOGIA DA MENTE HUMANA. AGOSTINHO E TOMÁS DE AQUINO

A alma humana, esclarece Stº Agostinho, foi criada à imagem e semelhança de Deus, ou seja, da Trindade, mas o homem só chegará a ser à imagem de Deus enquanto a alma não só se conheça e ame a si mesma, senão a Deus, pois só se conhecendo a mente humana pode-se amar a si mesma. Ao associar a mente humana com o mistério da Trindade, Stº Agostinho quis penetrar na imagem divina que Deus imprimiu na alma humana, posto nela encontrarem-se as tríades memória/entendimento/vontade/ou mente/conhecimento/amor.

Nesse contexto, desenvolveu-se a teologia da “processão” pela via intelectual, inerente à geração do Verbo. Essa processão, argumenta Stº Tomás, é segundo a semelhança, podendo ser chamada geração enquanto o generante gera a seu semelhante, no caso o Pai gera o Filho. Ao contrário da processão pela via da vontade, quando nesta há, antes, um impulso e um movimento para agir, caso da processão do Espírito Santo, o qual não é gerado, o que para Stº Agostinho este seria o amor unido à vontade. No entanto, Stº Tomás justifica que embora a processão do Espírito Santo esteja unida à do Verbo (Filho), são diferentes.

2- AS PROCESSÕES DIVINAS E O AMOR INTERPESSOAL. RICARDO DE SÃO VÍTOR

Aliado à analogia com a alma humana de Stº Agostinho há, também, a analogia do amor interpessoal defendida por Ricardo de São Vitor (morto em1173). Este partiu do princípio que Deus é tudo e tem todos os atributos e a diversidade nele funda-se na perfeição da caridade, a qual precisa da pluralidade de pessoas, alguém que seja digno de receber o amor de Deus. Portanto, é preciso igualdade das pessoas, que sejam coeternas, por isso a consumação da caridade exige a trindade de pessoas. O Pai, amor gratuito, dá o ser e o amor, mas não os recebe; o Filho recebe do Pai e dá ambos; o Espírito Santo só os recebe. Assim, na “processão” do Filho dá-se a comunhão de honra e na do Espírito Santo dá-se a comunhão do amor. O Filho é gerado, porém o Espírito Santo, embora não seja Filho e tenha sido produzido segundo a natureza, não pode ser chamado de não-gerado. Cabe ressaltar que a teologia oriental não seguiu essa linha de entendimento, preferiu distinguir geração de processão ou expiração, sem fazer uso do conceito genérico do termo “processão”.

AS RELAÇÕES DIVINAS

Uma das categorias fundamentais da doutrina sobre a Trindade é o tema das relações em Deus, as quais derivam das processões e que determinam a existência das relações em Deus. É o que veremos a seguir.

1 – AS RELAÇÕES EM DEUS SEGUNDO AGOSTINHO

Para Stº Agostinho Deus é perfeito, não pode haver acidentes nele e tudo que se afirma dele tem de ser segundo a substância. Em que pesem tais argumentos, se do Pai e do Filho predicam-se coisas distintas, o Filho não pode ser o Pai posto que têm a mesma substância. No entanto, o bispo de Hipona justifica que nem tudo que se predica nele é segundo a substância, há, também, coisas que se predicam em relação com outro, isto é, Pai e Filho têm a mesma substância e não há neles mudança nem mutação. Contudo, há diferença de relação entre os dois, pois um é o Pai e o outro, o Filho, só existe o Pai por causa do Filho e vice-versa.

Em relação ao Espírito Santo, a exemplo de Hilário de Poitiers, Stº Agostinho o nomeia de “dom” dado pelo Pai ao Filho que, juntos, constituem o princípio da Terceira Pessoa da Trindade. É da geração do Filho e da processão do Espírito Santo que se origina as relações; da relação entre o Pai e o Filho constitui-se a processão do Espírito Santo, por que este é dom, procede de quem o dá. É dom e doável desde sempre, portanto, existia desde o princípio com o Pai e com o Filho e as relações intratrinitárias entre as pessoas são eternas e imutáveis, ou seja, não existe plural, os três são Deus, mas um só Deus, e não três deuses!

2 – TOMÁS DE AQUINO. AS RELAÇÕES REAIS EM DEUS

Stº Tomás segue a doutrina de Stº Agostinho, mas a aperfeiçoa. Entende que as relações em Deus são reais e que as processões dão-se na identidade da natureza, ou seja, o Pai o é por causa do Filho, e vice-versa, mas há diferença a respeito das criaturas que têm relação real a Deus, pois Deus as fez por vontade própria. Esclarece, ainda, que existem diferenças entre as relações, mas não na essência, nesta há unidade. A processão do Verbo, segundo a processão do intelecto, e a processão do Espírito Santo (do amor), segundo a processão da vontade, são distintas. São quatro relações reais em Deus: a da geração (processão do Verbo: paternidade/filiação), a do amor não tem nome; a da expiração (relação por parte do que é princípio); a do termo genérico processão ou “expiração passiva” (relação por parte do que procede do princípio).

Enfim, essa teologia da relação em Deus mostra que ele é único, existe na plenitude da vida e da comunhão e nas relações internas; e em virtude dessa plenitude de vida interna ele pôde sair de si na encarnação, bem como realizar a criação, e essas relações não contradizem a unidade divina, como bem acentuou o Concílio de Florença, segundo o qual “Tudo (em Deus) é um onde não se interpõe a oposição da relação

AS PESSOAS DIVINAS

Após a análise das relações em Deus, convém expor algumas considerações sobre as “pessoas”.

1 – A NOÇÃO DE “PESSOA” EM AGOSTINHO

Stº Agostinho utilizou a expressão “pessoa”, embora considerasse o termo inadequado, para referir-se às três pessoas da Santíssima Trindade. Todavia, o termo “três pessoas” é relativo em relação enquanto Pai, Filho e Dom, mas não são três deuses, nem três sábios, nem três luzes. Enfatizou que o plural em Deus vinha das relações, porém não definiu diretamente a pessoa, embora, para ele, o conceito de pessoa seja um absoluto.

2 – DE BOÉCIO A TOMÁS DE AQUINO

Antes de adentrar no pensamento de Stº Tomás, serão feitas as considerações de Boécio (morto em 524) a respeito da “pessoa”, cuja questão é abordada no contexto cristológico. Para este, só os seres racionais são pessoas, pois têm como característica a individualidade, que é a natureza racional, a substância, o substrato do ser.

Em contraposição, Ricardo de São Vítor eliminou a “substância” e acentuou o elemento relacional, definindo pessoa como a “existência incomunicável da natureza racional”, para não correr o risco de confundir que as três pessoas em Deus tenham três essências ou três substâncias, bem como cair no triteísmo. Em Deus há unidade segundo o modo de ser, mas pluralidade segundo o modo de existir, pois a diferença vem da origem, é em relação à procedência, assim: o Pai existe a partir dele mesmo (não procede de ninguém), mas os outros dois procedem dele; o Filho está no meio, procede do Pai e tem outro que procede dele; o Espírito Santo procede de outro, mas não há quem proceda dele. Dessa definição chegou-se ao conceito atualmente utilizado. E mais, o que caracteriza a pluralidade das pessoas divinas é o modo de seu amor, por sua irrepetibilidade, a maneira como se relaciona com os outros; esse é o elemento “incomunicável” mais do que a substância.

3 – TOMÁS DE AQUINO: A PESSOA COMO RELAÇÃO SUBSISTENTE

Partindo da definição de Boécio, Stº Tomás esclarece que as pessoas divinas se distinguem enquanto se relacionam, elas são pessoas enquanto se relacionam, há unidade e comunhão perfeita nessas relações, e não são “antes” de entrar em relação. Primeiramente existem as pessoas, Pai, Filho e Espírito Santo; depois vêm as relações, pois estas existem em consequência às primeiras. O ponto de partida é a pessoa do Pai, não a essência divina. São três pessoas da mesma essência, em quatro relações e só três dessas relações são subsistentes: a paternidade que é a pessoa do Pai, a filiação que é a pessoa o Filho, e a processão que é a pessoa do Espírito Santo. Assim, a relação distingue as pessoas e em virtude dela distingue-se cada uma das outras. Do contrário, se fosse pela origem, significaria que alguém procederia de uma pessoa subsistente, descartando qualquer reciprocidade, qualquer igualdade e unicidade entre as pessoas. A distinção não é separação, mas relação, não é oposição e sim união, por isso na plenitude da vida trinitária a pluralidade das pessoas justifica que Deus não é solitário.

4 – PESSOAS, PROPRIEDADES, APROPRIAÇÕES

As pessoas distinguem-se, também, pelas suas propriedades ou noções.

Propriedade ou noção é o modo de conhecer a pessoa e pode ser concreto ou abstrato, dependendo da situação. Usa-se o abstrato para falar das formas simples, como nomear Deus, por exemplo, em que usamos termos segundo o conhecimento que adquirimos. Usa-se o concreto para falar das formas subsistentes, ou seja, através das relações de origem pelas quais elas se multiplicam, por exemplo, a noção de paternidade que decorre do Pai e em relação ao Filho.

Aliado a esses conceitos, há as apropriações. Fala-se de apropriação quando as propriedades essenciais de uma pessoa são aplicadas a outra devido ao modo como ela se manifesta. A apropriação tem sua origem na Tradição e na Bíblia e é bastante usada na liturgia e na teologia. O exemplo mais comum é a oração do Credo. Nele rezamos “Creio em Deus Pai Todo poderoso, criador do céu e da terra...”, naturalmente ali não há referência exclusiva à Deus, mas às três pessoas, pois há um só princípio da criação. Portanto, a atuação salvífica reflete de algum modo o ser mesmo de Deus, vê-se refletida na obra da criação a unidade e distinção da Trindade que quer incorporar os homens à sua vida divina. Aliás, deve-se entender que a atuação divina só é possível porque Deus é trino e embora nem sempre possamos identificar, essa dimensão reflete-se em todas as suas atuações.

5 – A MÚTUA INABITAÇÃO DAS PESSOAS

As pessoas divinas estão em relação umas com as outras, bem como estão reciprocamente presentes. Essa doutrina denominada pericorese ou circumincessão, em que há a compenetração das três pessoas da Trindade umas nas outras, é encontrada no Novo Testamento e deram a idéia da mútua inabitação do Pai e do Filho, mais tarde referida em relação ao Espírito Santo.

Segundo Atenágoras, potência e espírito exprimem a mútua inabitação do Pai e do Filho; já Dionísio Romano entende que a inabitação mútua das três pessoas é “a garantia da Trindade que se reúne na monarquia do Pai”; porém, Hilário de Poitiers tomou por base a inabitação mútua para demonstrar a unidade da natureza do Pai e do Filho e a perfeita geração do Filho em relação ao Pai (“....o que está no Pai está no Filho, o que está no Ingênito está no Unigênito...”).

Quem primeiro usou o termo “pericorese” foi João Damasceno no sentido trinitário, que em latim a expressão se converte para “circumincessão”. Stº Tomás não usou o termo em si, mas tratou da questão quando falou da unidade da essência e da sua identificação com cada pessoa que faz que o Pai esteja no Filho, e vice-versa. Já o Concílio de Florença considera a pericorese como a conseqüência da unidade da essência divina. Como a unidade vem da essência comum e do amor mútuo, cada uma das pessoas está em perfeita união e comunhão umas com as outras, portanto, essa unidade é da Trindade em que há interação dinâmica das três pessoas. É pela inabitação recíproca que se expressa e realiza a unidade das pessoas sem distinção.

A PROBLEMÁTICA MODERNA DA PESSOA EM DEUS: AS “TRÊS PESSOAS” NA UNIDADE DIVINA

Como já analisado, há em Deus três pessoas na unidade da essência e esse dogma gerou uma reflexão teológica sobre a pessoa, que passou do nível trinitário e cristológico para o antropológico. Veremos a seguir o pensamento de KARL BARTH E KARL RAHNER sobre o tema.

1 – UNIDADE DO SUJEITO EM DEUS? PROPOSTAS ALTERNATIVAS AO TERMO PESSOA”. KARL BARTH E KARL RAHNER

Partindo do conceito de que pessoa é um ser que se possui a si mesmo em consciência e liberdade, Karl Barth (morto em 1968) encontrou dificuldades em aplicá-lo às três pessoas divinas, pois daria margem ao entendimento de que Deus teria três consciências, três liberdades, três sujeitos capazes de autodeterminar-se, o que seria uma inverdade. Então, ele propõe a mudança do termo “pessoa” para “modo de ser”, tendo como base o evento da revelação, em que Deus, em diversos modos de ser, é o revelador, a revelação e o ser revelado, é atribuído uma unidade indestrutível e ao mesmo tempo uma diversidade em si mesmo. O Pai, o Filho e o Espírito Santo são na unidade de sua essência um único Deus, e na diversidade de suas pessoas são precisamente o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Somente na encarnação do Filho pode-se entender que há em Deus a diferença, portanto o Deus que se revela na Escritura é um em três modos de ser, e não três personalidades. A pluralidade não significa quantidade, significa que Deus não está só e não está isolado, em que todas as ações sejam dos três “modos de ser”, os quais são iguais em essência e em dignidade, sem discriminação em sua divindade.

Karl Rahner, por outro lado, parte da idéia de que se Deus quiser se comunicar aos homens será por meio do Filho, que há de aparecer historicamente na carne como homem, e terá que ser o Espírito que vai operar a aceitação da comunicação por parte do mundo. Deus é livre para autocomunicar-se, mas se o fizer não será livre para fazer de outro modo, pois a comunicação de Deus com o homem deve assumir a estrutura deste último e levar em consideração quatro aspectos: origem/futuro; história/transcendência; oferta/aceitação; conhecimento/amor. Ao final, esses aspectos foram reduzidos a dois apenas: verdade e amor. Ora, a comunicação como verdade diz respeito a comunicação com amor, que é a abertura da história na transcendência para o futuro absoluto. Embora essas duas dimensões estejam unidades, não se identificam. Deus dá-se a si mesmo ao Filho e ao Espírito Santo e esse duplo modo de autocomunicar-se tem dois efeitos distintos – a humanidade de Cristo e a graça criada no homem. Em relação ao conceito de pessoa, Rahner entende que em Deus não há multiplicação da essência, a exemplo do que ocorre com os homens, mas uma distinção consciente, o ser consciente se dá em uma consciência real. Como Stº Tomás, ele propõe a seguinte fórmula: “o Deus único subsiste em três modos distintos de subsistência” no qual a autocomunicação única de Deus dá-se em três modos distintos, nos quais se dá em si mesmo o único Deus. A primeira forma de subsistência constitui Deus como Pai, Deus como princípio e sem origem da autocomunicação e da automediação, de forma que não existe um Deus anterior. Portanto, a Trindade é econômica e também imanente, posto que a maneira que Deus autocomunica-se para fora corresponde ao que Deus é em si mesmo.

2 – AS PESSOAS SE REALIZAM EM SEU MÚTUO AMOR. O MODELO SOCIAL DA TRINDADE

Em contraposição a Karl Barth e a Karl Rahner, Moltmann formulou outra teologia trinitária sobre a comunhão das pessoas. Conforme Moltmann não se pode partir da idéia da subjetividade absoluta de Deus, pois a partir dela não se sai do monoteísmo, já que o “eu” só pode ser entendido em relação ao “tu” (conceito de relação). Afirma que tanto o Pai, como o Filho e o Espírito Santo embora sejam distintos em personalidade, cada um está com o outro e no outro, ou seja, estão unidos por mútua relação e por mútua inabitação (pericorese), mas não existe subordinação na Trindade. Na verdade, ele quer eliminar, até certo ponto, a distinção entre Trindade econômica e Trindade imanente porque entende que em Deus liberdade e necessidade não e opõem, mas coincidem no amor. O problema da unidade em Deus, do Pai, do Filho e do Espírito Santo é questão da escatologia, da consumação da história trinitária por Deus mesmo. Como se vê, para Moltmann o Pai relaciona-se com o Filho, porém esse fato não o constitui, apenas pressupõe sua existência.

3 – AUTOCONSCIÊNCIA E ALTERIDADE NAS PESSOAS DIVINAS

Além das teologias expostas por Barth, Rhaner e Moltmann, B. Lonergan falava do Pai, do Filho e o Espírito Santo como três sujeitos divinos, relacionados entre si, conscientes, em que há pluralidade de sujeitos, mas não há pluralidade de consciências, porque em Deus o ato essencial e os atos nocionais não são distintos.

Essa idéia foi seguida por W. Kasper, acrescentando que o que caracteriza as pessoas divinas é o “diálogo”.

Na mesma linha de raciocínio, F. Bourassa põe o destaque na questão do caráter mútuo das relações. Não há em Deus três consciências distintas, há uma perfeita unidade de substância e de amor, há o “tudo o que é meu é teu”, há uma consciência exercida por cada um em comunhão com os outros.

Para Heribert Mühler, o Pai seria o “eu”, o Filho seria o “tu” e o Espírito Santo o “nós” do Pai e o Filho (o “nós” em pessoa, hipostasiado). Contudo, o “nós” não representa o plural do Pai, pois ele não admite o plural, mas pode ser ao mesmo tempo o plural da primeira pessoa e da segunda.

Já J. Ratzinger conceitua a pessoa como aquele que, em sua plenitude, só em Deus pode ter lugar, é um fenômeno de total relatividade, que de algum modo, é todo ser pessoal e, portanto, também o homem.

Para H. U. von Balthasar usou a mesma linha de entendimento de Heribert Mühler, mas considera que o Espírito Santo apareceria antes como fruto da unidade do Pai e do Filho, como complemento à idéia do diálogo eu-tu.

Na verdade, a teologia católica tentou iluminar o mistério da Trindade tentando combinar os elementos da autopossessão e da autoconsciência e os da relação inter-humana. As três pessoas, ou seja, os três sujeitos têm uma só autoconsciência, uma só liberdade, um só amor e conhecimento, cada uma é distinta na relação e cada pessoa divina corresponde com os outros dois. A autopossessão de cada uma das pessoas identifica-se com a real doação às outras duas, enquanto relacionadas uma com as outras.

CONCLUSÃO

Assim, conclui-se que há distinção entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo em virtude das relações recíprocas, mas subsistem na unidade e no amor, pois cada pessoa é Deus inteiramente.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

A PAZ ESTEJA CONVOSCO!

“A PAZ ESTEJA CONVOSCO”
(Jo 20, 19-23)


Trancados numa sala, embora com medo dos judeus, os discípulos não abandonaram uns aos outros e permaneceram unidos na oração. Jesus adentrou e disse: “A paz esteja convosco” e soprou sobre eles o Espírito Santo. É nessa situação que o Espírito Santo desce sobre eles. Assim como os discípulos se abriram, devemos abrir-nos para que o Santo Espírito de Deus desça sobre nós e transforme nossas vidas, trazendo a paz e o amor. Todo cristão tem essa necessidade e quer viver o amor e a paz. Só no Espírito Santo é possível viver a paz interior e comunitária.

Maria Auxiliadôra
DEUS SEJA LOUVADO!

quinta-feira, 9 de junho de 2011

A Graça é...

A Graça é...

- o maior de todos os dons
- dom gratuito de Deus dado para todos, por Jesus Cristo
- plenitude do amor
- um sinal do amor de Deus
- a vida divina no homem
- vida oposta à morte
- a conseqüência da salvação (e não causa)
- para a salvação de todos
- o céu aberto para nós
- um acontecimento epifânio
- a inserção do homem no evento escatológico em Jesus Cristo
- um mistério da fé
- princípio de vida
- ação cristã
- ação de Deus na comunidade
- é um favor imerecido pelo homem, mas fruto da misericórdia e amor de Deus
- o começo da vida definitiva da glória
- benevolência compassiva de Deus para com os homens, dependentes de misericórdia
- evento salvífico
- estar em Cristo
- bênção divina
- dom sobrenatural
- uma ajuda ou auxílio de Deus, para fazer o bem
- um dom na ordem da qualidade, ela realiza comunhão
- participação real
- a graça de todas as graças
- o próprio Deus
- união plena com Deus
- se distingue em habitual (a qual nos fazemos semelhantes a Deus e participamos da sua amizade; santificante) e atual (é uma ajuda ou auxílio de Deus para fazer o bem)