terça-feira, 5 de julho de 2011

ESPIRITUALIDADE DO EDUCADOR


O documento da CNBB nº 47, Educação, Igreja e Sociedade, dispõe no item 73 sobre o direito fundamental da pessoa humana à liberdade de educação, isto é, o direito de educar-se. Além de ser um direito, é um dever da sociedade e do Estado o de oferecer à pessoa os meios necessários para uma educação livre e autêntica.

Primeiramente, o direito e o dever de educar cabe à família, como instituição insubstituível para a educação das novas gerações. Porém, devido a limitações e omissões, hoje, essas atribuições são compartilhadas com alguns organismos intermediários da sociedade, além do Estado, que se faz muito presente na educação formal, o que não elimina a responsabilidade da família. Por um lado há um direito inalienável a uma educação digna, por outro, uma obrigação, também fundamental, de propiciar os meios necessários para a concretização desse direito. Trata-se de dois aspectos inseparáveis.

A própria Constituição Federal brasileira de 1988, em seu art. 205, assegura esse direito a todos, indistintamente, e determina ao Estado e à família o dever de proporcionar uma educação de qualidade, que vise ao pleno desenvolvimento da pessoa, preparando-a para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Para isso, o Estado, na sua função de garantidor dos direitos sociais e administrador dos recursos que recebe da sociedade, deve garantir o acesso à educação e é bom que seja assim, até mesmo para que a sociedade fiscalize e controle a qualidade do ensino e dos princípios morais da escola.

Educar para a vida: formar a pessoa integral

O grande desafio da escola é formar a pessoa integral. Na escola, o educador exerce um papel preponderante, qual seja educar para a vida, para novos horizontes, para o futuro. É necessário, portanto, que ele esteja sintonizado com uma espiritualidade que lhe dê suporte para a prática educativa. Ele deve procurar realmente se harmonizar com as coisas novas que aparecem e não deve desanimar, mas adequar-se à realidade dos alunos, procurando aquilo que possa auxiliá-lo em seu trabalho.

O Documento de Aparecida - Texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe - fala que há uma emergência educacional na América Latina e que, diante dessa situação, toda escola deve se transformar em lugar privilegiado de formação e promoção integral, por ser estritamente responsável pela dimensão ética e religiosa da cultura.

De fato, a educação humaniza e personaliza o ser humano desde que este se desenvolva plenamente, em seu pensamento e em sua liberdade, consequentemente, humanizará o mundo, produzindo cultura, transformando a sociedade e construindo a história. Ademais, não se pode ignorar que a abertura à transcendência é uma dimensão da vida humana, pela qual a formação integral do indivíduo necessita da inclusão de conteúdos religiosos, já que é responsabilidade da escola a dimensão ética e religiosa da cultura, como afirmado no Documento de Aparecida.

A educação humanizadora, chamada pelos Bispos, em Puebla de los Angeles/México, de educação evangélico-libertadora, deve “converter o educando em sujeito, não só do próprio desenvolvimento, mas também posto a serviço do desenvolvimento da comunidade: educação para o serviço”, pois a educação está a serviço da liberdade, cujo objetivo é auxiliar o educando ao seu crescimento pessoal livre dos condicionamentos e dominações que dificultam seu efetivo desabrochar.

Sem dúvida, como afirmou o Papa João Paulo II, agora Beato, em seu Discurso na sede da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura – UNESCO, em Paris, 02/06/1980: “o fato cultural primeiro e fundamental é o homem espiritualmente desenvolvido, isto é, o homem plenamente educado, o homem capaz de educar a si mesmo e de educar os outros”.

O educador cristão

Em particular, o educador cristão encontra sua fonte de inspiração para ação e espiritualidade em Jesus Cristo, dom e graça de Deus. Atuando nesta missão evangelizadora desafiará e revisará constantemente as práticas educativas, discernindo a maneira com que Deus mesmo o educa, levando-o a um compromisso cada vez mais íntimo com o seu serviço, que se torna fonte de fecunda espiritualidade. A tarefa de educar transcende os limites do conhecimento racional e das aptidões técnicas ou manuais e o educando há de ser preparado não apenas para o sucesso profissional, todavia realizando-se como pessoa.

Assim, o educador deve realmente se espelhar e buscar que o centro de toda essa prática seja a pessoa de Jesus Cristo. Ele deve descobrir o aluno como ser humano, ajudando-o a se descobrir como pessoa, em que consiste o sentido da própria existência, espelhando-se na pedagogia do Mestre dos mestres, Jesus, o educador por excelência, transmitindo a imagem do Pai e revelando os caminhos de seus desígnios.

Ora, a educação não é uma coisa mágica, não se dá num piscar de olhos, nem acontece de um dia para o outro. Deve-se acreditar numa semente que é lançada e cresce de pouco em pouco, dia após dia e quando se percebe os frutos já estão aparecendo. Deve-se ter perseverança, pois a espiritualidade do educador pressupõe uma sabedoria modelada tal qual a paciência e a simplicidade de um oleiro que, do barro retira a sua obra. Dessa forma, exige que não se fique alheio ao novo que vem aparecendo e, sobretudo, descubra nesse novo as coisas positivas, descubra o potencial que pode contribuir sem se ater simplesmente ao conteúdo. O educador tem de buscar desenvolver esses valores que formam a pessoa integral, não é só formar para a cabeça, mas a cabeça e o coração. Neste contexto, a sala de aula é o espaço privilegiado de serviço a Deus e aos irmãos, onde acontece o exercício de convivência solidária entre diferentes opções religiosas, o ecumenismo, o diálogo inter-religioso e o diálogo entre cultura e fé religiosa.

Educação como prioridade nacional

Ademais, para superar os problemas que afligem a educação, esta deverá ser assumida como verdadeira prioridade nacional, isso exige uma radical mudança de mentalidade, tanto da parte dos legisladores e governantes, como da parte de muitos setores da sociedade, inclusive de quem lida diretamente com a educação, como professores, pais e alunos.

De seu lado, a Igreja defende o direito de todos a uma educação de qualidade que vise capacitar para o pleno exercício da cidadania, participação, respeito à igualdade de direitos e prática dos próprios deveres, bem como o direito e o dever da família de educar seus filhos a partir de seus próprios princípios religiosos e valores de vida.

Em relação ao Ensino Religioso Escolar (ERE), a Igreja entende que deve fazer parte do currículo escolar de forma interdisciplinar, visando à educação integral do aluno, formando valores fundamentais através da busca do transcendente e da descoberta do sentido mais profundo da existência humana, levando em conta a visão religiosa do educando. Cabe ressaltar, o ensino religioso aqui referido não se confunde com a catequese, há uma relação de distinção e complementariedade entre ambos, no entanto, a atuação dos profissionais católicos nas escolas permanecem com a missão de evangelizar através do testemunho, da competência profissional e do diálogo entre ciência e fé.

Para tanto, exige que os professores de Ensino Religioso tenham uma sólida e adequada formação, já que o educador deve ser valorizado como pessoa, como cidadão e como profissional. Valorização que abrange melhores condições de trabalho e uma remuneração justa, melhoria das instituições formadoras, bem como a disposição para o estudo, atualização profissional e o aprofundamento da espiritualidade própria do educador cristão.

Por isso, também, a Igreja é chamada a promover uma educação centrada na pessoa humana, estimulando uma educação de qualidade, formal e não-formal, oferecendo o encontro com os valores culturais do próprio país, integrando a dimensão religiosa e transcendente.

Particularmente, a Pastoral da Educação, que é uma voz que legitima e salvaguarda a liberdade de educação diante do Estado e o direito a uma educaçao de qualidade, embora tímida em sua atuação, quando deveria ser mais dinâmica, tem acompanhado os processos educativos e procurado uma prática educativa promotora de valores evangélicos, articulando em trabalho conjunto com movimentos de educadores católicos e organismos ligados à Igreja, especialmente com as pastorais populares, de juventude, universitária, da criança e do menor, pois seu foco é o crescimento do educador cristão, como formador da pessoa e da sociedade, à luz da Palavra de Deus.

A propósito, o Ensino Religioso consta da Constituição Federal brasileira de 1988, em seu artigo 210, § 1º, segundo o qual será de matrícula facultativa, entretanto constituirá disciplina nos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, portanto, tem garantido seu espaço no ambiente escolar.

Resta provado que o caminho para uma educação de qualidade vai de encontro com a educação humanizadora, cuja espiritualidade do educador é parte essencial na formação do educando, pois transmite a este muito além dos conteúdos, auxiliando-o ao crescimento pessoal, educando-o para a vida, já que a tarefa de educar transcende os limites do conhecimento racional e das aptidões técnicas ou manuais.

Para finalizar, nada mais oportuno que rezar a seguinte oração, de autoria de Antonio Pedro Schlindwein:

Oração do Professor

Dai-me, Senhor, o dom de ensinar,
Dai-me esta graça que vem do amor.
Mas, antes do ensinar, Senhor,
Dai-me o dom de aprender.
Aprender a ensinar
Aprender o amor de ensinar.
Que o meu ensinar seja simples, humano e alegre, como o amor.
De aprender sempre.
Que eu persevere mais no aprender do que no ensinar.
Que minha sabedoria ilumine e não apenas brilhe
Que o meu saber não domine ninguém, mas leve à verdade.
Que meus conhecimentos não produzam orgulho,
Mas cresçam e se abasteçam da humildade.
Que minhas palavras não firam e nem sejam dissimuladas,
Mas animem as faces de quem procura a luz.
Que a minha voz nunca assuste,
Mas seja a pregação da esperança.
Que eu aprenda que quem não me entende
Precisa ainda mais de mim,
E que nunca lhe destine a presunção de ser melhor.
Dai-me, Senhor, também a sabedoria do desaprender,
Para que eu possa trazer o novo, a esperança,
E não ser um perpetuador das desilusões.
Dai-me, Senhor, a sabedoria do aprender
Deixai-me ensinar para distribuir a sabedoria do amor.
Amém.

Maria Auxiliadôra Martins Melo
Brasília 05.07.2011
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Bibliografia

- CELAM. Documento de Aparecida. Texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. 5 ed. Brasília: CNBB, 2008; São Paulo: Paulinas, Paulus, 2008.

- CNBB. Educação, Igreja e Sociedade. Documento nº 47. 6 ed. São Paulo: Paulinas, 2005.

- CNBB. Diretório Nacional de Catequese. Publicações da CNBB nº 1. Brasília: CNBB, 2006.

- CONSTITUIÇÃO. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 04 jul. 2011.

- DISCURSO NA SEDE DA UNESCO EM PARIS, 1980, PAPA JOÃO PAULO II. Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/speeches/1980/june/documents/hf_jp-ii_spe_19800602_unesco_po.html>. Acesso em: 04 jul. 2011.

- DOCUMENTOS – Documento de Puebla em formato texto - Português. Disponível em: <http://www.cricbrasil.org/download.htm>. Acesso em: 05 jul. 2011.

- PORTAL DA FAMÍLIA – o site para pais, mães, filhos, avós e toda a família. Disponível em: <http://www.portaldafamilia.org/datas/professor/prof004.shtml>. Acesso em: 04 jul. 2011.