quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Sabedoria de Deus e sabedoria do mundo


Hoje refletiremos sobre a “Sabedoria de Deus e a sabedoria do mundo” – tema do Evangelho segundo São Marcos (Mc 9, 30-37).

Vamos fazer uma pequena recapitulação. Em nossa reflexão anterior (Mc 8, 27-35), cujo tema é “Como seguir Jesus”; Jesus fala: “se alguém quiser seguir-me, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me....” Ali Jesus faz o primeiro anúncio de sua paixão. Pois bem, agora vamos refletir o segundo anúncio da paixão.

Jesus, imbuído/impregnado da lógica de Deus, está disposto a aceitar o projeto do Pai e a fazer da sua vida um dom de amor aos homens. Os discípulos, imbuídos/envolvidos da lógica do mundo, não têm dificuldade em entender essa opção e em comprometer-se com esse projeto. Mas, Jesus avisa-os de que só há lugar na comunidade cristã para quem escuta os desafios de Deus e aceita fazer da vida um serviço ao próximo, aos irmãos, particularmente aos humildes, aos pequenos, aos pobres...

Jesus e os seus discípulos caminhavam através da Galiléia, mas Ele não queria que ninguém o soubesse; porque ensinava os discípulos. Ao longo dessa “caminhada para Jerusalém”, Jesus vai catequizando os discípulos, ensinando-lhes os valores do Reino e mostrando-lhes, com gestos concretos, que o projeto de Deus não passa por esquemas de poder e de domínio.

E enquanto caminhavam Jesus ensinava e disse-lhes: “O Filho do homem vai ser entregue às mãos dos homens e eles vão matá-l’O; mas Ele, três dias depois de morto, ressuscitará.” Jesus faz o anúncio da sua paixão, morte e ressurreição, como falei, esse foi o segundo anúncio. Suas palavras denotam tranquilidade e uma serena aceitação desses fatos que irão concretizar-se num futuro próximo. Jesus recebeu do Pai a missão de propor aos homens um caminho de realização plena, de felicidade sem fim; e Ele vai fazê-lo, mesmo que isso passe pela cruz. A serenidade de Jesus vem-Lhe da total aceitação e da absoluta conformidade com os projetos de Deus.

Nós, cristãos, um dia aderimos a Jesus e aceitamos percorrer o mesmo caminho que Ele percorreu. Pensemos: que valor e que significado tem, para nós, essa vontade de Deus que dia a dia descobrimos nos pequenos acidentes da nossa vida? Temos a mesma disponibilidade de Jesus para viver na fidelidade aos projetos do Pai? O que é que dirige e condiciona o nosso percurso: os nossos interesses pessoais ou os projetos de Deus?

Jesus acabou de falar, mas os discípulos não compreendiam aquelas palavras e tinham medo de O interrogar. Os discípulos mantêm-se num estranho silêncio diante deste anúncio. As palavras de Jesus são claras; o que não é claro, para a mentalidade desses discípulos, é que o caminho do Messias tenha de passar pela cruz e pelo dom da vida. A morte, na perspectiva dos discípulos, não pode ser caminho para a vitória. O “não entendimento” é, aqui, o mesmo que discordância: intimamente, eles discordam do caminho que Jesus escolheu seguir, pois acham que o caminho da cruz é um caminho de fracasso. Apesar de discordarem de Jesus eles não se atrevem a perguntar e permanecem calados.

A atitude (dos discípulos) mostra a dificuldade que as pessoas têm em entender e acolher a lógica de Deus. No entanto, a reação de Jesus diante de tudo isto é clara: quem quer seguir Jesus tem de mudar a mentalidade, os esquemas de pensamento, os valores egoístas e abrir o coração à vontade de Deus, às propostas de Deus, aos desafios de Deus. Não é possível fazer parte da comunidade de Jesus, se não estivermos dispostos a realizar este processo.

E quando chegaram a Cafarnaum e já estavam em casa (o termo “em casa” pode ser que se refira a casa de Pedro...), Jesus perguntou-lhes: “Que discutíeis no caminho? (sobre que discutíeis no caminho)” Eles ficaram calados, porque tinham discutido uns com os outros sobre qual deles era o maior. Então, Jesus sentou-Se, chamou os Doze e disse-lhes: “Quem quiser ser o primeiro será o último de todos e o servo de todos” (se alguém quiser ser o primeiro seja o último de todos e o servo de todos). Ora, na comunidade de Jesus, só é grande aquele que é capaz de servir e de oferecer a vida aos seus irmãos e com essas palavras Jesus provoca um impacto em seus discípulos, apesar de toda a convivência com Jesus...

E, tomando uma criança, colocou-a no meio deles, abraçou-a e disse-lhes: “Quem receber uma destas crianças em meu nome é a Mim que recebe; e quem Me receber não Me recebe a Mim, mas Àquele que Me enviou” (aquele que receber uma destas crianças por causa do meu nome, a mim recebe; e aquele que me recebe, não é a mim que recebe, mas sim aquele que me enviou). Aqui, Jesus completa a instrução aos discípulos com um gesto: pega uma criança, coloca-a no meio do grupo, abraça-a e convida os discípulos a acolherem as “crianças”, pois quem acolhe uma criança acolhe o próprio Jesus e acolhe o Pai.

Cabe um esclarecimento: na sociedade palestina daquela época, as crianças (assim como as mulheres, os pobres, os portadores de necessidades especiais) eram seres sem direitos, não tinham direito nenhum ou quase nenhum. Eram, portanto, um símbolo dos débeis, dos pequenos, dos sem direitos, dos pobres, dos indefesos, dos insignificantes, dos marginalizados. Porém, são esses exatamente que a comunidade de Jesus deve abraçar.

No contexto da conversa de Jesus com os discípulos, o gesto de Jesus tem a seguinte significância: o discípulo de Jesus é grande, não quando tem poder ou autoridade sobre os outros, mas quando abraça, quando ama, quando serve os pequenos, os pobres, os marginalizados, aqueles que o mundo rejeita e abandona. No pequeno e no pobre que a comunidade acolhe, é o próprio Jesus (que também foi pobre, débil, indefeso) que se torna presente.

Nesse evangelho, Jesus convida-nos a repensar a nossa forma de nos situarmos, quer na sociedade, quer dentro da própria comunidade cristã. Na nossa sociedade, geralmente, os primeiros são os que têm dinheiro, os que têm poder, os que frequentam as festas badaladas da sociedade, os “chiques”, os que se vestem segundo as exigências da moda, os que têm sucesso profissional, os que sabem colar-se aos valores politicamente corretos… E na comunidade cristã? Quem são os primeiros?

Tais comportamentos são ainda mais graves quando acontecem dentro da comunidade cristã: trata-se de comportamentos incompatíveis com o seguimento de Jesus. Nós, os seguidores de Jesus, não podemos de forma alguma pactuar com a “sabedoria do mundo”; e uma Igreja que se organiza e estrutura tendo em conta os esquemas do mundo não é a Igreja de Jesus.

As palavras de Jesus não deixam qualquer dúvida: “quem quiser ser o primeiro, será o último de todos e o servo de todos”. Na comunidade cristã, a única grandeza é a grandeza de quem, com humildade, simplicidade e amor, faz da própria vida um serviço aos irmãos. Na comunidade cristã não há donos, nem grupos privilegiados, nem pessoas mais importantes do que as outras, nem distinções baseadas no dinheiro, na beleza, na cultura, na posição social… Na comunidade cristã há irmãos iguais, a quem a comunidade confia serviços diversos em vista do bem de todos.

Aquilo que nos deve mover é a vontade de servir, de partilhar com os irmãos os dons que Deus nos concedeu, aceitando cada serviço, cada missão, com humildade, dando o melhor de si. Pensemos: seremos capazes de acolher e de amar os que levam uma vida pouco exemplar, os marginalizados, os estrangeiros, os doentes incuráveis, os idosos, os difíceis, os que ninguém quer e ninguém ama? Fica a pergunta.

Brasília/DF 21/09/2012
Maria Auxiliadôra Martins Melo

terça-feira, 18 de setembro de 2012

COMO SEGUIR JESUS


O Evangelho Segundo Marcos (Mc 8,27-35), cujo tema é “Como seguir Jesus”, traz um breve diálogo de Jesus com seus discípulos.

Esse diálogo inicia-se com a pergunta de Jesus aos seus discípulos: "Quem dizem os homens que eu sou? Os discípulos responderam: “Alguns dizem que tu és João Batista; outros que és Elias; outros ainda, que és um dos profetas". Jesus sonda qual conhecimento tem o povo de sua pessoa e, pelas respostas, podemos concluir que a multidão coloca Jesus entre os maiores profetas, conforme a fé judaica. Ele quer saber qual a visão daqueles que o acompanharam desde o começo... Então, Jesus perguntou-lhes: “E vós, quem dizeis que Eu sou? Pedro tomou a palavra e respondeu: “Tu és o Messias”.

“Messias” em hebreu é o mesmo que “Cristo” em grego e, em latim, quer dizer “ungido”. Jesus é chamado o Messias, o Cristo ou o ungido por ter sido impregnado em plenitude pelo Espírito Santo. Jesus é o Messias que proclama o Reino de Deus. Dizer que Jesus é o Messias, o Cristo, significa dizer que Ele é esse libertador que Israel esperava, enviado por Deus para libertar o seu Povo e para lhe oferecer a salvação definitiva. Portanto, Jesus é reconhecido como o enviado definitivo de Deus, o cumprimento de todas as esperanças de libertação, contraponto da história de Israel.

Analisando a resposta de Pedro (“Tu és o Messias”) podemos nos perguntar: E para nós, quem é Jesus e qual o lugar Ele ocupa em nossa vida? Essa pergunta continua muito atual... Será que entendemos realmente, como Pedro, que Jesus é o Messias?

Então, Jesus ordenou-lhes severamente que não falassem d’Ele a ninguém. Depois, começou a ensinar-lhes que o Filho do Homem tinha de sofrer muito, de ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e pelos escribas; de ser morto e ressuscitar três dias depois. E Jesus dizia-lhes claramente estas coisas. Jesus os manda calar, não porque a resposta de Pedro não fosse certa, mas porque queria apresentar seu estilo de messianismo.

Na verdade, Pedro não entende a proposta de Jesus. Jesus fala do sofrimento e da cruz. Pedro aceita Jesus como messias, mas não como messias sofredor. Era como uma cegueira, não enxergava nada e ainda queria que Jesus fosse como ele....

Então, Pedro tomou-O à parte e começou a contestá-LO. Mas Jesus, voltando-Se e olhando para os discípulos, repreendeu Pedro, dizendo: “Vai-te, Satanás, porque não compreendes as coisas de Deus, mas só as dos homens”. E, chamando a multidão com os seus discípulos, disse-lhes: “Se alguém quiser seguir-Me, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me. Na verdade, quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; mas quem perder a vida, por causa de Mim e do Evangelho, salvá-la-á”.

Ora, a reação de Pedro, da comunidade, pode ser entendida de duas maneiras. A primeira é que os discípulos não tinham compreendido o tipo de messianismo de Jesus que passa pela cruz. E a segunda é que os discípulos têm medo de ficar envolvidos com o destino de seu Mestre, e terem a mesma sorte. Jesus sabe que sua fidelidade ao projeto de Deus passa pelo caminho da cruz e ressurreição, por isso as palavras de Pedro soam para ele como a tentação de um messianismo alternativo, ao qual rejeita energicamente. Portanto, a oposição de Pedro (e dos discípulos, pois Pedro continua a ser o porta-voz da comunidade) significa que a sua compreensão do mistério de Jesus ainda é muito imperfeita. Para ele, a missão do “messias, Filho de Deus” é uma missão gloriosa e vencedora; e, na lógica de Pedro – que é a lógica do mundo – a vitória não pode estar na cruz e no dom da vida.

Como vemos, Jesus é apresentado como o Messias libertador, enviado ao mundo pelo Pai para oferecer aos homens o caminho da salvação e da vida plena. Cumprindo o plano do Pai, Jesus mostra aos discípulos que o caminho da vida verdadeira não passa pelos triunfos e êxitos humanos, mas pelo amor e pelo dom da vida (até à morte, se for necessário). Jesus vai percorrer esse caminho; e quem quiser ser seu discípulo, tem de aceitar percorrer um caminho semelhante.

Mas, o que significa, exatamente, renunciar a si mesmo? Significa renunciar ao seu egoísmo, ao comodismo e auto-suficiência, para fazer da vida um dom a Deus e aos outros. O cristão não pode viver fechado em si próprio, preocupado apenas em concretizar os seus sonhos pessoais, os seus projetos de riqueza, de segurança, de bem estar, de domínio, de êxito, de triunfo… O cristão deve fazer da sua vida um dom generoso a Deus e aos irmãos. Só assim ele poderá ser discípulo de Jesus e integrar a comunidade do Reino.

E o que significa “tomar a cruz” de Jesus e segui-LO? A cruz é a expressão de um amor total, radical, que se dá até à morte. É amar até às últimas consequencias, até à morte mesmo! Significa a entrega da própria vida por amor. “Tomar a cruz” é ser capaz de gastar a vida – de forma total e completa – por amor a Deus e para que os irmãos sejam mais felizes. Jesus não diz “pegue a sua cruz e vá embora”, mas “tome a sua cruz e siga-Me”, porque Jesus não abandona ninguém; ao contrário, Ele está junto. O seguidor de Jesus é aquele que está disposto a dar a vida para que os seus irmãos sejam mais livres e mais felizes. Por isso, o cristão não tem medo de lutar contra a injustiça, a exploração, a miséria, o pecado, mesmo que isso signifique enfrentar a morte, a tortura, as represálias dos poderosos. O cristão não tem medo de denunciar as injustiças...

No final, Jesus explica aos discípulos as razões pelas quais eles devem abraçar a “lógica da cruz”. Convida-os a entender que oferecer a vida por amor não é perdê-la, mas ganhá-la.

Meus amigos, quem é capaz de dar a vida a Deus e aos irmãos, não fracassa, mas ganha a vida eterna, a vida verdadeira que Deus oferece a quem vive de acordo com as suas propostas. Essencialmente, seguir Jesus no caminho do amor e do dom da vida. Portanto, as conclusões de Jesus valem até hoje - Se alguém quiser seguir-Me, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me. Na verdade, quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; mas quem perder a vida, por causa de Mim e do Evangelho, salvá-la-á.

Naquele tempo, a cruz era a pena de morte que o Império Romano impunha aos marginais. Tomar a cruz e carregá-la atrás de Jesus era o mesmo que aceitar ser marginalizado pelo sistema injusto que legitimava a injustiça. A cruz não é fatalismo, nem é exigência do Pai. A cruz é a consequencia do compromisso livremente assumido por Jesus de revelar a Boa Nova de que Deus é Pai e que, portanto, todos devem ser aceitos e tratados como irmãos. Por causa deste anúncio revolucionário, Ele foi perseguido e não teve medo de dar a sua vida. Prova de amor maior não há que doar a vida pelo irmão.

Brasília 14/09/2012
Maria Auxiliadôra