Estamos próximos da grande festa – Natal. Segue um texto sobre o
Natal, escrito por Dom Eugenio de Araújo Sales, cardeal morto em 09/07/2012,
que ao longo de seus 91 anos de vida, esteve por 58 anos de episcopado e 30
deles, à frente da Igreja no Rio de Janeiro. Diz o texto:
“As celebrações natalinas marcam
profundamente a vida dos indivíduos e da sociedade, em grande parte do mundo em
que vivemos. Fundamentalmente de caráter religioso, com freqüência assumem
características alheias aos valores cristãos. No paganismo decadente, na
antigüidade, era a festa do deus sol: “Natalis (Solis) Invicti”. Em torno de
336, em Roma, os cristãos já celebravam o nascimento do outro Sol, o
verdadeiro, Jesus Cristo.
Antes do final do século, há notícias, em
muitos recantos da Terra, então conhecida, da alegria pelo nascimento de Jesus,
afastando assim os cristãos dos festejos do paganismo. A verdade da fé em Deus
que se fez homem assumindo nossa natureza humana, para nos salvar, teve, em São
Leão Magno, um grande propulsor. Mais que a data histórica exata, louvavam a
verdade de Jesus ter vindo ao mundo para salvá-lo, que consiste no verdadeiro
fundamento dos festejos natalinos: a celebração do mistério da encarnação e
suas circunstâncias narradas nos Livros Santos e Tradição.
As celebrações litúrgicas do batismo de
Jesus, da maternidade divina de Maria, do martírio dos Santos inocentes, e da
Sagrada Família são decorrentes do fato histórico da vinda de Jesus, iniciando
a promessa da redenção do gênero humano e realizado na crucificação e subseqüente
Ressurreição.
Há, portanto, um duplo alicerce nas
solenidades litúrgicas do nascimento de Jesus: o histórico e o teológico: a
encarnação do Filho de Deus, o início da redenção, a Salvação dos homens
anunciada pelos profetas, séculos antes e a descrição feita pelos evangelhos.
São Leão Magno assim se refere a essa data: “a presente festividade, renova
para nós, o sagrado nascimento de Jesus“, e em conseqüência, “nos afervora e
nos ensina que o Natal do Senhor, quando o Verbo se fez carne não é apenas uma
recordação do passado mas algo palpitante, vivo, no presente“.
O ambiente de alegria e as manifestações
de júbilo são um válido e justo contentamento, que brota do fato em si mesmo.
Começa realmente a salvação, a recuperação do gênero humano, pela encarnação do
Filho de Deus que vem para nos salvar. As manifestações de alegria são
absolutamente válidas e têm suas raízes na fé cristã. Ela não deve se confundir
com os exageros e deturpações que empanam o que nasce da fé cristã e a esta se
opõem.
Os homens que não vivem sua crença,
assumem feições ridículas no aproveitamento dessa data sagrada para a
exacerbação da vaidade, do egoísmo e do esbanjamento de recursos financeiros,
como ofensa aos que passam necessidade. Dão demonstrações opostas ao que nasce
da autêntica fé cristã. Refiro-me à transformação comercial da celebração
religiosa, em contraste violento com a pobreza da gruta de Belém. Diz São Lucas
(2,7): “envolveram-no com faixas reclinaram-no numa manjedoura porque não havia
um lugar para ele na sala“. As primeiras testemunhas são simples pastores:
“quando os anjos os deixaram, os pastores disseram entre si: “vamos já a Belém
e vejamos o que aconteceu, o que o Senhor nos deu a conhecer”. Foram, então, às
pressas e encontraram Maria, José e o Recém-nascido, deitado na manjedoura” (Lc
2,15-16).
Por outro lado, condiz, com o espírito do
Natal do Senhor manifestar, dentro das possibilidades, a própria alegria pela
data e fazê-la ser compartilhada por outros, oferecendo presentes e promovendo
festividades. Essa celebração alegre é um valioso instrumento que nos faz
crescer na verdadeira prática da fé cristã. Na mesma proporção, a profanação,
pelo pecado, dessa data tão significativa, ofende a santidade que deve reinar
nas comemorações pelo nascimento do nosso Salvador.
O Natal de Jesus nos faz também refletir
sobre a importância da família, fator e sustentáculo da prática religiosa que
brota do exemplo do Natal. Dificilmente encontraremos uma instituição que tenha
se deteriorado tanto em nossos dias como a família. E, certamente, não há outra
mais valiosa que ela, como construtora do bem-estar material e espiritual da
sociedade. Nos últimos meses tem vindo a público uma série de fatos que colocam
em perigo sua estabilidade. Ela é insubstituível e a ruína de tantos lares
passa pela falência de valores morais que lhes servem de alicerce. As causas
são conhecidas e têm uma raiz comum: o enfraquecimento da prática religiosa de
seus integrantes. Trata-se da célula originária da vida social.
Pelo seu valor o Concílio Vaticano II (Gaudium
et Spes, 52) ensina que o poder civil considere como grave dever “reconhecer e
proteger a verdadeira natureza do casamento e da família, defender a moralidade
pública e favorecer a prosperidade dos lares“. Entretanto o que se observa nos
últimos tempos é exatamente o oposto. Quem semeia ventos colhe tempestade, diz
o refrão. O apoio à campanha contra a santidade dos lares vem da própria
sociedade e de muitos dos seus integrantes.
A festividade natalina nos apresenta
Jesus, Maria e José, a Sagrada Família. Esta é uma oportunidade para uma
revisão de vida. Diante do presépio, meditemos sobre seu exemplo. Assim podemos
haurir forças para fortalecer a instituição familiar. Isso supõe o
restabelecimento dos valores morais, uma verdadeira preparação do matrimônio e
firme reação à propaganda destruidora na mídia, que promove os aspectos
negativos colocando, acima do bem-estar dos filhos, o egoísmo dos cônjuges.
Celebremos o nascimento de Jesus.
Promovamos uma autêntica alegria e exaltemos a dignidade dos lares. Graças a
Deus ainda há muitas famílias bem constituídas. Infelizmente, uma sociedade
corrompida consegue silenciar a voz do bom exemplo daquelas que, mesmo com
sacrifício, seguem os ensinamentos de Cristo. Sem dúvida, poderosa é a força
que nasce da manjedoura, dos pais em torno do Filho, Jesus Cristo, que veio
para nos salvar.”
Brasília 20/12/2013